DE QUEM É A COMPETÊNCIA PARA JULGAR A REVISÃO ADMINISTRATIVA DOS PADs DA PCRS?
- Ronaldo Costalunga Gotuzzo
- 7 de abr.
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Uma análise da processualidade da revisão administrativa no âmbito da Polícia Civil gaúcha a partir do julgamento do mandado de segurança nº 5103084-35.2021.8.21.0001/RS
De início é relevante pontuarmos que o atual Estatuto da Polícia Civil (Lei Estadual nº 7.366/1980) é absolutamente silente acerca da disciplina da revisão administrativa, que encontra sua previsão, portanto, no art. 249 e seguintes da Lei Complementar Estadual (LCE) nº 10.098/1994 (Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do RS).
Ainda, a revisão administrativa não tem natureza recursal, mas sim de reexame ou do processo administrativo disciplinar (PAD) ou da sindicância administrativa disciplinar (SAD) já findos, por meio da instauração de novo processo, à semelhança da revisão criminal e da ação rescisória. Como bem salientado pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel Pires Ohlweiler, o processo de revisão integra o sistema processual de controle interno da Administração Pública.
Seu cabimento, portanto, se dá após o trânsito em julgado da decisão administrativa punitiva, a qualquer tempo, mas uma única vez, e diante da demonstração de fatos novos e/ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência ou inadequação da pena aplicada.
Dito isto, passamos à análise do inédito debate que se instaurou quando do recurso de apelação manejado pela PGE-RS, nos autos do mandado de segurança nº 5103084-35.2021.8.21.0001/RS, que teve como “pano de fundo”, especialmente, as disposições legais previstas nos arts. 251 e 253 da LC nº 10.098/1994:
Art. 251. O requerimento de revisão do processo será dirigido ao Secretário de Estado ou autoridade equivalente que, se a autorizar, encaminhará o pedido ao órgão ou entidade onde se originou o processo disciplinar.
Art. 253. O julgamento caberá à autoridade que aplicou a penalidade nos termos do art. 246, no prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, durante o qual poderá determinar as diligências que julgar necessárias.
O mandado de segurança foi impetrado por nós, da Costalunga Gotuzzo Advogados, após decisão do Conselho Superior de Polícia (CSP) que afrontou o devido processo legal, e teve decisão judicial favorável da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre/RS, da qual se insurgiu o Estado do RS.
Em seu recurso, a PGE/RS defendia em síntese que, diante da pena aplicada aos servidores nos autos do processo administrativo disciplinar ora em revisão (demissão), o CSP seria incompetente para conhecer e julgar da revisão administrativa, que deveria ser remetida pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), após o juízo de admissibilidade, diretamente à Procuradoria Disciplinar e de Probidade Administrativa (PDPA) da PGE/RS, para depois seguir ao Governador do Estado, única autoridade pública alegadamente com competência para a revisão.
Entretanto, acolhendo a tese por nós defendida inclusive em nosso Manual Prático do Processo Administrativo Disciplinar da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020, págs. 175/177), escrito em coautoria com o comissário de polícia Gerson Igor Campos Mutti, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJRS), em decisão unânime de relatoria do desembargador Leonel Pires Ohlweiler, reconheceu a competência originária do CSP para conhecer e julgar as revisões dos PADs da Polícia Civil.
Em seu voto, o relator destacou que se deve aplicar a processualidade lógica do processo administrativo, no sentido de possibilitar o retorno para o âmbito da autoridade administrativa na qual originou-se a aplicação da sanção imposta (ou seja, ao Conselho Superior de Polícia) e que proferirá suas decisões administrativas dentro dos limites de suas atribuições legais (...) no sentido de privilegiar a lógica do razoável no processamento de decisões administrativas em que figuram mais de uma instância administrativa, como Conselho Superior de Polícia, Procuradoria-Geral do Estado e Governador do Estado.
Isso tudo porque, muito embora a lei fale em processamento perante o órgão originário da ação (CSP) e julgamento pela autoridade que aplicou a pena (Governador), fica evidente que o legislador intencionou que a revisão se desse pelo órgão legitimado pela cognição originária da ação disciplinar. Uma vez que a ação administrativa de revisão traz em seu bojo elementos de novidade (fatos novos), justificando, assim, que deva ser oportunizada, primeiramente, ao CSP uma nova possibilidade de valoração do conjunto probatório do processo.
Pensar de outra forma, como pretendido pela PGE/RS, seria aviltar a competência originária do CSP, em sede disciplinar, para analisar novas razões.
Afinal, como ressalvado ainda pelo desembargador Ohlweiler, ao final de seu voto, não se está dizendo que há inversão de competências administrativas, pois, ao que parece, por razões de lógica sistêmica, a competência para a tomada da decisão final permanece com o Governador do Estado, assim, como na aplicação da sanção disciplinar.
Em resumo, a presente decisão judicial confirma de maneira inédita (já que não havia nenhuma decisão judicial anterior a este respeito) o que sempre defendemos: que é do Conselho Superior de Polícia a competência para, primeiro, julgar as revisões administrativas oriundas de PADs de servidores da Polícia Civil. Não obstante, antes da decisão final do Governador, à luz do disposto no art. 115, inciso IV, da Constituição Estadual (CERS/1989), deva ser encaminhado à PGE/RS para parecer.
Ronaldo Costalunga Gotuzzo – advogado (OAB/RS nº 51.983), especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública. Sócio da Costalunga Gotuzzo Advogados, que desde 2008 presta assessoria jurídica ao SINPOL-RS.
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